Porta de entrada para o sonho de uma vida melhor na Europa, o aeroporto de Lisboa virou o centro da peregrinação de emigrantes brasileiros que desistiram de viver em Portugal. Eles perderam o emprego devido à pandemia da Covid-19 e não conseguem mais permanecer no país, mas estão sem dinheiro para a volta ao Brasil.
Em tempos de distanciamento social e frio na madrugada, cerca de 40 pessoas dormiram aglomeradas por uma semana na calçada do terminal à espera de um encaixe em um dos voos de repatriamento fretados pelo Itamaraty. Na quinta-feira, houve desistências, 23 puderam embarcar de última hora e 17 foram para um abrigo.
O cônsul-geral adjunto do Brasil em Lisboa, ministro Eduardo Hosannah, estimou que há outras 600 pessoas em situação semelhante, entre turistas e desvalidos, e adiantou que requisitou aprovação de recursos para novos voos de repatriamento, mas aconselha aos residentes a procurarem os programas de assistência de Portugal.
Oficialmente, a comunidade brasileira residente é de 150 mil pessoas, a maior no país. O Fundo Monetário Internacional (FMI) previu que o desemprego em Portugal atingirá 14% da população, a maior taxa já registrada. Em 45 dias de estado de emergência, milhares de brasileiros perderam emprego e há relatos de que grande parte vive à beira da mendicância e dependente de doações para comer.
Logo após o estouro do surto na Europa, uma verba de R$ 62 milhões foi destinada para operações de repatriamento do Itamaraty em todo o mundo. Somente de Portugal foram retiradas quase 1.500 pessoas. Para receber o apoio, é preciso fazer um cadastro e obedecer ao critério determinado pela embaixada, de extrema fragilidade social e econômica.
A confirmação em um dos voos chega por e-mail e, para alguns, este processo durou mais de um mês. Para quem não recebeu o aviso e não tem onde esperar, o aeroporto passou a representar uma esperança. Na manhã da última quinta-feira, o paulista André Soncin estava indignado ao não receber confirmação da embaixada e observar um cachorro junto de sua dona na fila de embarque para o repatriamento.
— O cachorro sendo repatriado pelo Brasil, enquanto o ser humano fica aqui — disse Soncin.
Aos 50 anos, o ex-professor substituto de História chegou a Portugal em fevereiro de 2019 e tentava se estabilizar para levar a mulher e os quatro filhos. Trabalhou como servente e ajudante de carpintaria, diz que ganhava € 900 e mandava € 500 para família. Com o restante, pagava despesa com alimentação e o quarto em que vivia até, conta ele, ser despejado e dormir na calçada do aeroporto desde sábado.
O cônsul-geral adjunto garantiu que ninguém embarcará “no grito” nesta segunda fase de repatriamento.
— Não fazemos caridade com dinheiro público. A pessoa se inscreve, a situação é analisada e confirmada. Não adianta ficar no aeroporto, porque no grito não entra — disse Hossanah, confirmando que os lugares que sobraram foram selecionados pelos próprios brasileiros que passaram as noites na calçada.
O Cônsul afirmou que será aberto um novo cadastro, que poderá determinar a quantidade dos possíveis voos extras, caso os recursos sejam autorizados.
— Poderá haver um 7º, 8º e 9º voos, depende da necessidade. Agora, é residente em Portugal, mas perdeu emprego? Então tem que recorrer às medidas de apoio do governo português. Não posso ter 20 mil querendo embarcar, não é hora de sentir saudade do Brasil. Esperamos que a economia de Portugal comece a retomar e contratar. A solução real é por aí, não pela ajuda pública. Somos só uma solução passageira — declarou Hosannah.