Epidemiologistas e infectologistas alertam que a decisão sobre o melhor caminho a seguir precisa ser técnica e não política ou exclusivamente econômica, levando em conta fatores como a curva de novos casos e o perfil populacional dos brasileiros.
Até o momento, o país adotou um caminho mais próximo ao que se chama de "isolamento horizontal" a fim de frear a disseminação do vírus e prevenir um colapso do sistema de saúde. Não há um confinamento total, mas vários Estados e municípios determinaram suspensão de comércios e serviços não essenciais. Ou seja, todos são aconselhados a ficar em casa, como preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ao longo da última semana, Bolsonaro tomou a frente para defender um outro modelo, chamado "vertical", que permite a reabertura de escolas, universidades e negócios ao prever que apenas idosos e pessoas com doenças pré-existentes se isolem. Entidades empresariais já lançaram manifestos pedindo a volta à normalidade, e carreatas estão sendo realizadas em cidades como Porto Alegre para forçar prefeitos e governadores a levantar a quarentena.
— Infelizmente, o combate à pandemia se politizou no Brasil. O momento era para se pensar exclusivamente na melhor forma de combater o vírus — alerta o epidemiologista Jair Ferreira, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e médico do Hospital de Clínicas.
Especialistas afirmam que retorno à rotina sem planejamento e reforço na aplicação de testes à população pode causar dano. O primeiro dado a ser considerado é que o coronavírus não se compara a um resfriado. O Imperial College de Londres, que vem realizando estudos usados como subsídio para a definição de políticas contra a covid-19 em diversos países um trabalho que estima o impacto de diferentes medidas de contenção sobre a pandemia.
Uma das conclusões é que, se absolutamente nada fosse feito, até 40 milhões de pessoas morreriam. É equivalente ao impacto da gripe espanhola entre 1918-1919, uma das epidemias mais mortíferas da História. Medidas intermediárias, que reduzam os contatos sociais dos idosos com outras pessoas em 60%, e do restante da população em 40%, cortariam a conta de mortos pela metade. Uma receita mais incisiva, com ampla testagem e isolamento de portadores do vírus associada a um distanciamento social mais severo, pode salvar 95% das vidas — desde que implementada quando a epidemia ainda está acelerando. É o cenário em que se encontra o Brasil, com a curva de novos casos em elevação.
— É irresponsável flexibilizar as restrições agora porque ainda estamos no início da curva (de novos casos), e ainda temos muito poucas pessoas já imunizadas na população. Com o passar do tempo, mais pessoas vão pegar a doença, mesmo que não apresentem sintomas, e se imunizam. O problema é que há muita desarticulação entre os níveis de governos. O ideal seria contar com uma política centralizada — argumenta o presidente da seção gaúcha da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Schwarzbold.
O Imperial College calculou que 44 mil brasileiros podem morrer em razão da covid-19 mesmo com medidas mais restritivas, mas essa cifra alcançaria 529 mil se fosse adotada apenas a reclusão vertical de idosos.
Isso não quer dizer que a quarentena horizontal seja uma solução simples: há um preço epidemiológico e outro econômico a pagar. Do ponto de vista da saúde, segundo o infectologista do Hospital Conceição André Luiz Machado da Silva, se muitas pessoas ficarem isoladas por muito tempo, a imunidade social seguirá baixa. Assim, quando finalmente a vida voltar ao normal, o vírus pode provocar uma segunda onda de infecções. Em outro estudo, o Imperial College também previu esse possível efeito: o levantamento das restrições em setembro poderia levar a um novo pico de infecções entre novembro e dezembro pela falta de imunidade entre a população.
O fardo econômico de ficar em casa também é pesado. Uma publicação do Centro de Pesquisa de Política Econômica (rede de 1,5 mil pesquisadores com sede na Inglaterra) avalia que dois meses de lockdown (bloqueio) econômico poderiam resultar em uma queda média de 6,5% no Produto Interno Bruto (PIB). A grande recessão de 2008, por exemplo, custou cerca de 4,5% do PIB americano.
— O isolamento generalizado, mantido por muito tempo, tem um impacto social significativo — reconhece Silva.
Como a pandemia é recente e depende de muitos fatores locais, os exemplos de outros países servem apenas como referência. A Itália trocou o confinamento horizontal pelo vertical e o número de mortes, que era de 17 em fevereiro saltou para quase 20.000 mil após a mudança.
O infectologista do Conceição acredita que poderia ser buscada uma abertura gradual no Brasil, mantendo a proibição de eventos públicos e o fechamento de espaços como cinemas, teatros e evitando aglomerações:
— Poderíamos começar com empresas de setores em que os funcionários já estão mais habituados a seguir protocolos de higienização, por exemplo.
Outra possibilidade seria adotar uma estratégia "liga e desliga", ou seja, afrouxar ou ampliar o confinamento com base em algum tipo de gatilho como o número de internações por semana. Mas seria fundamental, segundo Silva, seguir uma medida adotada em outros países que não impuseram regras tão rígidas de quarentena, como a Coreia: testar uma amostra significativa da população para avaliar o nível de contaminação e prevenir que eventuais doentes sem sintomas entrem em contato com pessoas suscetíveis.
Schwarzbold diz que o ideal seria testar de 10% a 20% das pessoas para verificar quando haverá uma imunidade social mínima antes de flexibilizar o distanciamento social. O Ministério da Saúde anunciou a compra de 22,9 milhões de testes, e um grupo de bancos prometeu doar outros 5 milhões.
— Quando tivermos uma testagem mais maciça, ficaria mais seguro diminuir as restrições — sustenta Schwarzbold.
Fonte: GaúchaZH